segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Aos nossos olhos...


Hoje eu, amanhã poderás ser tu! Sim, acredito que sim, que já todos sentimos que as nossas mãos perderam força e deixaram escapar por entre dedos uma vontade que não nos pertence mais. Quantos de nós não deixaram já fugir sonhos, pessoas, desejos, aspirações... um conjunto não mensurável de coisas, materiais ou não, que faziam de nós uma pessoa que hoje não vemos no espelho. Se calhar já lá vão os dias em que podíamos sentir que existia um "nós", que existia um tu que fazia de mim um eu acompanhado.

Hoje ainda consigo fechar os olhos e ver-te ali, sentada no murete do jardim ondem todos os dias vias nascer o sol. "Um dia hei-de ser tão quente e tão intensa como ele", dizias. E eu, imerso nos teus lábios, fingia ouvir cada palavra que proferias como se da primeira se tratasse. Não há quem diga que uma palavra nunca antes ouvida tem mais encanto? Pudesse eu ainda hoje encantar-me com aqueles suspiros falados que deixavas transparecer com um olhar.

Deixa tempo, deixa que volte atrás e me perca novamente nos braços de quem um dia me fez ver um sol diferente, de quem um dia me fez sorrir como um parvo, mas um parvo feliz. Fútil, ingénuo, poderia até ser, mas era um fútil e ingénuo que tinha em ti um outro lado, um olhar diferente que me fazia sentir como o estúpido mais ridículo mas o mais importante. Só tu sabias, só tu sabias como franzir o sobrolho quando te dizia as idiotices do costume. Se ainda hoje fosse possível, repetia todas essas palavras que nos fizeram ser história e que nos fecharam num livro que narrou prosas que só para nós tinham uma razão de ser. 

Para ti nunca fui aquela pessoa mais bonita, a que se vestia melhor ou que fazia chorar as pedras que calcava, mas era para ti uma imperfeição perfeitamente saudável. Sempre disseste que não buscavas em mim todas as qualidades, sempre fizeste ver a todos que os meus defeitos, as minhas taras e manias ainda te faziam correr com mais vontade para mim. Trazias no pensamento e nos lábios a vontade de me arrasar em discussões que me consentias tão tresloucadas. Mas eramos assim: dois tolos que faziam de um sentimento alguma coisa, alguma coisa que para ambos tinha nascido da mesma forma e que acabou por morrer contigo.

Levaste-me a emoção mas deixaste o sentimento. Ainda tenho o teu sorriso gravado na mente, a forma como me davas bofetadas por te não dizer "estás tão feia hoje"! Era isso, sempre foi isso que marcou a diferença: amámos sem querer e quisemos sempre amar assim. Aos olhos dos demais podíamos ser "aqueles dois atolambados", aqueles que fugiam ao padrão, aqueles que caminhavam descalços sobre a pedra quente, os que corriam separados ao invés de se unirem. Mas nunca quis correr contigo mas, sim, por ti. Por ti corri, por ti sorri, falei, gritei, exaltei e até extrapolei limites que nos quiseram impor, mas sempre por ti. Longe os que puseram à nossa frente amarras que dia algum nos serviram de entraves (se bem que tu sempre tiveste aquela queda para escolher os caminhos mais difíceis). 

Hoje vivo assim, apenas com as memórias que me deixaste. Não quero fotografias que essas fá-las o tempo perder a cor nem quero objectos que de ti me façam lembrar. Nunca precisámos de nos marcar fisicamente um ao outro não seria agora que assim seria. Lembro, lembro a cada dia o sol como sempre mo descreveste, a relva como a sentimos juntos, as experiências como m'as ensinaste a viver, lembro, lembro...

E assim adormeço. Acordo, novo dia, e tudo se repete. Espero que um dia possa entregar ao vento esta semente que juntos plantámos para que ela cresça noutras vidas. Outras vidas que se conheçam e apaixonem tal como nós fizemos quando ainda podia sentir a respiração tua que hoje me foi tirada. 

Agora que foste embora, espero um dia esquecer a tua morada para não correr mais à tua porta e ainda esperar pelo teu "bom dia" (com aquele tom de quem acordou fazia 5 minutos). Se um dia te apagar da memória, que me concedam novas vivências como as que contigo vivi. Tolo, diferente, parvo e enlouquecido, mas feliz! A quem não entender ou troçar do que sinto, não lhes levo a mal nem teço comentários, apenas agradeço por me fazerem sentir ainda mais que aquilo que vivemos apenas aos nossos olhos foi especial. Não é assim que deve ser?
Onde quer que estejas, descansa. Talvez um dia volte a sentir nos meus braços o teu ou um outro perfume!