quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Julga(ment)o!

A mão roxa de tanto frio. Pernas, esguias, encostadas ao peito que apertam cada vez mais na tentativa de enganar o frio que os calções lhe vestem. Pela parede escorre a água que gelo se torna ao cair, gota-a-gota no chão que o gelo faz cristalino. É este gelo que esconde a imundice da rua: vidas de lama, sangue de corações que já não batem, olhares que se prenderam ao chão pelas cordas da vergonha e ainda um travo a medo que ainda hoje se alimenta do ecoar daquela rua.
 
A pequena chora. Os pulmões enchem-se com cada vez mais ar e lá vão libertando tantas lágrimas quanto a memória e a dor permitem largar. Esfrega os olhos com a terra que já se lhe confunde com a pele das pontas dos dedos que outrora largam os de sua mãe. Aperta um pouco mais as pernas e crava os joelhos feridos nas costelas. Grita, mas grita em silêncio. Soubessem todos como o seu silêncio é tão ruidoso e todos paravam para a ouvir. Um ruído tão forte que a consome por dentro e lhe faz ficar ali, imóvel, somente à espera que um dia a venham buscar.
 
Mas porque falo? Quem me concede este papel de narrador passivo que se limita a ser os olhos de uma situação que parece não mudar? Quem? Abre os olhos rapazinho, intervém, faz por mudar o que tanto te transtorna a visão. Sente como se fosses tu ali, ali mesmo no frio com apenas a companhia de ninguém, como se fosses tu quem não sabe por que mão esperar para saltar daquele imundo e pesado chão, quem se senta com receios de avançar sozinho.
 
Pudesse eu ter forças, pudesse eu rasgar a janela e passar para o lado da acção e deixar de vez esta narração que me torna tão frio, sem sequer fazer por tentar ajudar aquela e tantas outras crianças que assim vivem, sozinhas, desamparadas e com receio de ser mais, de prosseguir com sonhos que lhe levaram ou que simplesmente nunca lhe deixaram conhecer. Mas, por um outro lado, porquê dar-me a esse trabalho se há tantas almas que encarnam no corpo da maldade, da frieza? São tantos os que por aí se vangloriam com elmos de sonhos desfeitos e se fazem guerreiros que tomam por armas as pedras que à primeira oportunidade lançam contra a primeira débil criatura que atravessa no seu caminho (fosse tão pesada a sua consciência como as pedras que atiram e seria imensurável a altura de que iriam cair).
 
Ahh poupem-se os discursos e todas essas lamechices do bonzinho! Quero ser como eles, quero beber do cálice de prata e comer ao jantar o que por mim roubam à ralé. Quero ser senhor de tronos e ostentar coroas de bronze que a tradição manda usar. Quero trazer nas veias um veneno que se fortalece com a raiva de que me alimento. Não me critiquem, não me critiquem quando parece que o mais fácil é por ao rei a coroa do que fazer-lhe de almofada. Não me julguem quando vejo que tantos preferem carregar pedras que ajudar a removê-las dos que um dia estiveram sobre o mesmo tecto.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Escalada minha...

Há dias em que sinto que me falham as pernas e os braços. Estas primeiras não me permitem chegar ao ponto que há tanto tempo quero tomar como meu. Já os braços, esses, não me obedecem e teimam em agarrar outros objectivos que não o que tanto me querem ofecer.

São caminhadas atrás umas das outras, trilhos cada vez mais esguios que estreitam as opções de percurso e vales que se fazem seguir por montanhas que, num àpice, desfazem toda a calmia que até então havia sido estabelecida.

Inconstante, assim descreveria esta jornada. Meses passados, uns dias melhor, outros pior. Dias de lágrimas, ora de felicidade, ora de desalento, uma vez de ânimo e coragem pela voz dos semelhantes, outa vez dias de arrependimento e mágoa pela voz dos restantes. Mas assim aprendi a fazer escalada. Se calhar ainda não me tinha apercebido que a diferença está em ser eu a descobrir qual a melhor corda, o melhor gancho que me irá prender na melhor e mais sólida rocha e, aí sim, poderei chegar ao tal patamar que não alcancei até então.

Alguns podem chamar-lhe maturidade, eu prefiro chamar-lhe experiências. São vivências diárias, com outros corpos que a mim se juntam nesta batalha, que me levam até ao próximo nível. Se será o final? Claro que não, apenas um próximo, um próximo que segue de um outro e outro e muitas mais etapas que havemos de percorrer. Não lhe conheço ainda o destino - assim quer o tempo - nem sei quando irei dar-me a conhecer a ele mas, isso é certo, a cada dia que passa vou tentando recolher as ferramentas que penso (e é neste pensar que reside o meu erro) serem necessárias para a futura (incerta, porém) altura.

Como alguns de nós nos vamos apercebendo, nem todos os caminhos são apenas constuídos de pedras, terra e plantas: alguns têm também rios que nos fazem remar contra marés, ventos que o senhor manda soprar para ver quão forte é a nossa passada, temperaturas que nos fazem escaldar quando o tempo pede que estejamos frios... enfim, uma imensidão de outros factores adjacentes a este precurso que se torna tão penoso por vezes. "Quem corre por gosto não cansa", dirme-i-as agora, talvez! É certo e sabido que assim deve ser.

Tento, tentas, tentamos todos chegar lá e até juntamos mantimentos e unimos esforços. De vez em quando um caminheiro alcança a sua meta. Que alívio! Sorrio e dou com mais força as próximas puxadelas na corda que me serve de segurança (não vá a pedra principal ceder) e subo, e escalo aquela ingreme parede de rochas amorfas com mais vontade ainda. Será raiva este sentimento, o que me move até lá cima? Seguro que não. É, sim, uma vontade reanimada, uma paixão reforçada, um abrir de olhos que me encoraja a subir até ao cimo, mesmo sem saber que me espera por lá ou sem saber sequer qual será esse fim. Mas, aprende rapazinho, o que importa é ter-se um fim. Só assim sabes para onde puxar pela corda!

Haverá de certo quem deite pela corda óleo - faz parte - mas haverá também que erga escadas ao lado da corda que sobes e que te dê a mão quando precises!
Por isso, sim, precisamente por isso quero continuar a escalar para um dia mais tarde, mesmo que lá não chegue, possa dizer que me orgulho de ter tentado!