sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Um jogo sem tabuleiro...

Há minutos e dias, há flashes e duradouros momentos, há "mar e mar, há ir e voltar", há mãos que se tocam e outras que não se largam, há sorrisos que marcam e outros que marcam, há caras que se eternizam e pessoas que são eternizadas, há gestos que apertam o sentir e sentimentos que gesticulam o pensar!

Pois é, há dias em que a saudade aperta e o coração fica numa ansiedade tal que não cabe no peito. Há ainda outros em que ele bate tão ligeiro que parece não acalmar. Por lhe faltar o abrigo, um porto seguro, ou simplesmente porque não almeja o rosto que procura.

Quantas não são as saudades que procuram um amigo ou familiar que o tempo escondeu? Ou quantos não se sentem esperançosos de voltar a ter aquele abraço que surgiu pela última vez na despedida? Uns voltam, outros não! Os infortúnios da vida dão mesmo assim, mas, bolas, há tanto que fica por dizer e por demonstrar! E de pensar que por vezes um último afago ou piscar de olho teria feito a diferença…

O Homem adora por de fora as garras, por vezes afiadas lâminas, e dar uso ao vil poder tão destrutivo de uma simples palavra entoada num timbre ríspido ou a um movimento mais hostil. Mas é esse mesmo ser que veste a pele de cordeirinho quando lhe falta o chão que sustenta tamanha proeza, quando se vê isolado e só! Para esses, para nós, caberia uma humildade no agir, um cuidar do que se diz ou faz… mas o Homem é mesmo assim, um lobo que se alimenta de espontaneidade e impulsos tão voláteis como as suas vontades!


Mostrar uma lágrima ou sorriso, dar um abraço ou um aperto de mão, um sorrir mais rasgado ou um piscar de olho, um afeto não é menos importante e não deveria ser menos espontâneo que um insulto ou sinal de negação, ou deveria? Pois! Neste ping-pong de ações e sentires, tão forte é a pancada da raquete do adversário como a resposta que lhe damos ao receber a bola. Se podíamos jogar de uma outra forma? A resposta é positiva, mas o hábito e a imponente invisibilidade do que nos rodeia impõe sempre a sua forma de lançar os dados e o jogo acaba sempre viciado!

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Desespero silênciado

Continua no silêncio. Permanece calada e ali remanesce, gélida e desamparada, pobre infância!
Fecha os olhos e ouve os gritos que outrora lhe feriram o sentir e foram ponte para o desespero. Aconchega as pernas contra o peito, agachada no alpendre da casa de alguém, e, numa agitação frenética, deixa-se consumir pela recordação de dias passados. Jaz ali, com ela, uma vontade de ser mais, de ser um objectivo e não um simples corpus. Deixou que lha levassem!
Saberia tão jovem inocência que lhe fariam tal mal ao expô-la a semelhantes situações? Saberia ela que ver aquelas imagens lhe marcariam corpo e mente por anos? Julgo que não. Mas também de nada a salvaria ser portadora de tal conhecimento.

Heis que já o sol raiava quando acordou, estremecida, com os gritos da progenitora. Soltava gritos de desespero e lágrima de aflição a cada pancada que levava. O homem, tomado pelo álcool (ou apenas pela loucura que com ele nasceu), por entre ofensas e represálias, não hesitava em fazer uso da força e empunhar raivas que a pobre coitada não havia despertado. Não que tivesse feito por isso. A pequena levantou-se e dirigiu-se à cozinha, de onde vinha todo o ensurdecedor afligir da mãe.
Chega e depara-se com uma cena de violência tal que as lágrimas que, quase que por impulso, se lhe fizeram correr cara a baixo. Ele empurrava a mulher contra a parede com a mesa em que esta lhe punha a refeição sempre que o capricho tinha apetite. O ventre dela, cada vez mais fraco, começava a não resistir mais às investidas! A menina, congelada e em pânico, sentou-se no chão e nem sabia que fazer. Agarrou a cabeça e tentava não ouvir a dor que ecoava em cada canto da já habituada casa. A mãe olhava para ela, lavada em lágrimas, e chorava ainda mais por ver a sua pequena ali. Um olhar pesado, marcado pela violência e pelo desgosto, que era também um poço de medo. Um último pestanejar, e partiu. Não sofre mais a mulher que consigo levou uma vida de repressões e silêncios em si aprisionados.

Assim ficou cravado na mente da pobre menina um horror indelével. Quantas mais não terão passado pelo mesmo? Quantas mais não terão sido espectadoras de mães violentadas e espezinhadas? Pudesse aquela pequenita livrar-se de tal herança e seria ela outra pessoa.
Retoma o olhar e abandona esta recordação. Continua ali sentada no chão frio, à chuva, com apenas a roupa que lhe deixaram no corpo e com o sangue ainda quente. Tinha sido à horas. A criança balança-se para trás e para a frente, tentava, talvez, abandonar aquela penosa imagem que lhe consumia a inocência.
Deixem-na, bolas deixem-na ser criança se mais não posso pedir! Que será feito dela? Por que ruas se irá perder até se encontrar, no meio de tantas e tão pesadas memórias?
Pois é, a cada dia que passa a violência continua. São mães e filhas, são namoradas e amigas, são cada vez mais as vítimas de violência que sofrem nas mãos de loucos a quem a consciência fugiu por entre os dedos que se cerram para passar para inocentes violentas palavras e gestos! É triste saber que ainda continuam a permanecer silenciadas dores e aprisionadas vozes que temem soltar-se...

A menina levantou-se, finalmente! Não que tenha recuperado, não que tenha seguido em frente, não que tenha sido por vontade de avançar para mais um dia atormentado, NÃO, apenas porque as ruas não são boas conselheiras e o baloiço onde costumava sentar-se para que a mãe lhe fizesse uma trança ainda baloiça. Continuam as correntes que o sustentam a chiar sorrisos de outras vidas e de outras crianças que perderam mães e pais por tão macabros motivos.
Já no baloiço, a pequena vê um urso de pelúcia. Tinha-o lá deixado dois dias antes. Ainda tinha o perfume da mãe e a pequena, ao se aperceber, sorriu! Sorriu porque ali, naquele preciso instante, se apercebeu que, por muito que lhe tirassem o seu porto seguro, que lhe arrancassem das mãos a felicidade e inocência; não perderia as lembranças (ao menos que lhe valham essas) de um amor que um dia lhe deu colo e empurrou o baloiço!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Seguro?

Confiantes, senhores do nosso nariz, certos? Como podemos dizer-nos certos de alguma coisa quando nos deparamos com uma surpresa e esta segurança toda se desvanece e nos tornamos uns incertos errantes?


Falemos então de segurança... como posso eu dar-me como seguro se ao mínimo deslize, ao mínimo "buh" me vejo cair na teia da incerteza e do inseguro, se me deixo avassalar por uma imagem agora carregada de sombras e sem certeza alguma? 


O Homem assume esta defesa, este escudo que teima em fazer valer e, contas feitas, não passa disso mesmo, de uma defesa que lhe justifica a altivez e o agir. Uma espécie de bolha em que gostamos de nos envolver e que parece ser feita de sabão: uma ventania inesperada e a bolha explode. Fica exposto o homem e, com ele, a sua insegurança.

A segurança que tanto se almeja desvanece ao menor percalço. Precisamente por nos assumirmos seguros é que pode haver lugar para a surpresa e o inesperado. Assim, a única certeza que tenho é a de que o imprevisto rege a certeza, e com rédeas curtas. Disso, disso sim posso dizer-me seguro.

Vontade de ser...

Há dias em que um sorriso, um olhar ou uma conversa são é a luz que precisávamos. 

As nuvens fazem deste céu de vontades encoberto e todas se desvanecem num "sem-ritmo-passar-de-tempo". Um tempo que corrói como ácido os desejos mais calcados dentro de nós e nos condena a uma prisão onde as barras não são de metal mas, sim, de conceitos pré-definidos, de ideias que os antigos fizeram herdar e que ainda hoje aprisionam aqueles que se fazem senhores de palavras arcaicas. 

Solta-te, solta-te dessas amarras que te fixam junto à terra e vai mais longe. Explora as tuas vontades, os teus sonhos, as tuas ambições, o que seja, apenas, pequena criança, não te deixes levar pela mão dos demais. Tens caminhos, trilhos que só tu poderás percorrer e que têm, sublinho, têm que ser por ti traçados. Apenas os caminhos por ti escolhidos te irão realizar, mesmo que te tragam lanças ou escudos. Dessas lanças e escudos só tu poderás descobrir como te defender, no caso das primeiras, ou como investir/atacar, no caso dos segundos.

Àqueles que tentarem condicionar o teu crescimento, não físico mas enquanto ser experiente, mostra-lhes a tua força e arrebata-os com as palavras que nunca te disseram e que fazem de ti a pessoa que hoje és. Barreiras e contra-vontades terás sempre, mas a diferença será feita quando um dia cresceres, avançares em que campo for, e puderes olhar para trás com um sorriso estampado na cara (digo estampado porque serás tu a colocá-lo lá) pelo facto de teres chegado até aí pelo teu pé, pela tua vontade de acreditar e de fazer por ti. 

Luta pequena, luta por ti e pelos outros, que eles precisam que alguém faça por eles o que nunca foram de capazes de fazer por si e, por isso, se deixaram cair num enlace pela tradição e pelo dogma concebido.
Se não fores tu a fomentar os teus desejos, as tuas vontades, quem o fará? Então a garra-te a elas e faz crescer essa vontade que a cada dia que faz mais feliz, mesmo trazendo, por vezes, incertezas e questões a que pareces não saber responder!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O jogo da (real) vida...


Juventude atormentada, assim vive já marcada. A pobrezinha (o próprio jeito faz imperar o diminutivo) está ali, está ali porque lá a deixaram, como o boneco de porcelana e marfim que adorna a real sala do trono do Senhor. Numa eterna espera, faminta de consciência, a pequena reza pelo dia em que o sol irá para si brilhar como para todos os que seu pai condena à prisão da obediência desinteressada (apenas porque o desinteresse é a mais fácil forma de enganar aqueles para quem a ignorância nunca nasceu). 

As vestes que lhe fazem arrastar pelas pedras do castelo são já gastas, não que tenham já muito uso, não, apenas por que sempre estiveram guardadas no armário da tradição e da hereditária responsabilidade de acenar aos súbditos que o coração imperam considerar pais e mães, aqueles que lhe deram berço e embalo quando ainda chorar era a única forma que conhecia para se manifestar. Hoje já nem o manifesto lhe pertence, foi-lhe retirado em nome do sangue que traz nas veias. Já sua avó sabia que jamais poderia levantar leve mão contra o cerrado punho de seu senhor. Ela não poderia ser diferente. 

Chega à sala do trono a aia e a menina, apenas com o olhar (que só este sorriso lhe é permitido perante um plebeu), sorri. Levanta a fraqueza que lhe sustenta o corpo e balança os cabelos quase soltos até aos seus aposentos. A menina estava quase despenteada e seria inoportuno para sua mãe que as damas da realeza a vissem assim. Trocam-lhe o vestidinho, arranjam as melhores flores, que as terrosas mãos do jardineiro real permitiram ali chegar, e delas fazem as amarras da trança que irá servir de encanto aos sarnentos pretendentes que hão de vir ver a princesa esta noite. 



A cozinheira já tem os perus no panelão e dada foi já a ordem de "que se apronte o salão de honra", onde mais tarde se irão sentar à mesa suas realuzas as insensibilidades e os interesses reais. Vem a sra de Atrás do Reino, o Duque do Reino da Cobiça e, por fim, os reis de "Sabe-se lá o que quer".

Vêm este e outros, todos com um interesse em comum, cortejar a inocência e a pureza daquele ser, não a princesa, apenas uma vontade e um desejo que esta ainda não tem. São cães, diria, são cães ao mesmo osso. Que vão todos, que vão e não voltem. Que deixem em paz a pequena que o único mal que até hoje fez foi não fugir e ficar ali naquela atmosfera de hormonas que actuam em contra-relógio, capazes de destruir e pisar aquele que se atravessar no seu caminho, aquele que não quiser cumprir majestosa vontade. A todos esses daria de presente a corda da forca, a corda que haveria de ser para eles tão branda como foram para todos os que morreram às suas mãos, aos seus caprichos repugnantes de sangue que não tinha outro efeito se não cobrir as manchas que a cobardia lhes fez deixar espalhadas por tantos e tantos cantos.

"Jovem princesa foge, foge desse antro de falsidades e de jogos em que a cadeira onde se senta teu pai é o único que pinoco que avança neste jogo de monopólio de vontades. Foge e faz de ti uma alma capaz, audaz e que um dia ficará na história pela diferença que fez."

Assim fez a pequena! Escapou da fatal seia e acabou morta pela lâmina da espada do próprio pai. O seu sangue chora-o sua mãe que se desfaz em lágrima que encobre nas saias da sua aia aquando dos tempos de criança, que demonstrar sofrimento pela sua filha seria letal aos olhos de El Rei seu marido. Chora uma mãe a dor de uma filha que um pai preferiu ver morta. Interesses, vontades e jogos de poder? Ficai vós com eles Senhores.