Entrais.
Entrais repentina - como em todos os vossos gestos - com sublime toque de
mulher grotesca. Senhora dos ventos, progenitora das montanhas, filha da
tempestade, heis que vos apresentais, tão imponente que nem vosso nome ouso
conhecer (se o conhecesse passaria dias a pronunciá-lo, tal como faria um
pequenito que fatidicamente repetiu, em tempos, o nome de seu pai quando o viu
partir de corpo cravado na armadura que o ferro do rei havia forjado)!
Assim
vos julgo ver: olhos desconfiados, nariz aguçado como a lança que trazeis ao
peito, mãos de princesa cravadas de batalhas por outros travadas! Mas julgo,
julgo porque temo enxergar com certezas criatura tal que pelo próprio pai foi
descartada. Talvez por medo, é certo, talvez o tenha feito precisamente por
temer os olhos que, encobertos por choros, se faziam já cortantes.
Dessem-te
vestes de camponesa e assim o serieis! Mas os corrompidos tecidos que vossa avó
desviou de um outro reino, mais forte e rico por ventura, não vos libertam das
amarras que o sangue do Senhor vos colocou nas veias. Não deste modo, não
tirando o ouro ao intocável berço em que haveis nascido.
Ah
princesa, como pareceis alta de onde vos vislumbro, tão senhora de si, tão
apoiada e sustentada por pilares que as mãos de meu pai construíram antes de o
vosso lhe ter colocado a espada e a armadura às costas, que já mal se erguiam.
Não que fosse velho, não, apenas porque o trabalho da forja lhe tinha roubado a
rigidez para o ferro que o levou a morrer em campos. (E neste momento lembrei
como era forte o abraço que me havia dado aquando do tirano chamamento de sua
realeza)
Como
sois ingénua minha senhora, deixais que vos atirem para uma cama, imunda de
tanta vergonha que nela já se acomodou, e que continua a ser palanque de
cortejos infundados que apenas vos querem colocar filhos no ventre para que
assim não sucumbam ao peso da coroa que tanto anseiam possuir.
Não
o façais senhora, não o façais! Jurei por meu pai que haveria de vos salvar
destas garras imperiais. Tomai voz, lutai contra os céus e contra os que donos
deles se julgam! Em vez de filhos, dai à luz ventos e chamai vossa mãe!
Dizei-lhe que traga tempestades e então isolai senhor vosso nas montanhas, tal
como ele um dia me isolou nas muralhas deste reino, sem pai a quem me agarrar
quando as suas servas me incorriam por pedir por um colo de mãe que não conheci
nem pude velar!
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