sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sangue real... vontades esquecidas!

Entrais. Entrais repentina - como em todos os vossos gestos - com sublime toque de mulher grotesca. Senhora dos ventos, progenitora das montanhas, filha da tempestade, heis que vos apresentais, tão imponente que nem vosso nome ouso conhecer (se o conhecesse passaria dias a pronunciá-lo, tal como faria um pequenito que fatidicamente repetiu, em tempos, o nome de seu pai quando o viu partir de corpo cravado na armadura que o ferro do rei havia forjado)! 

Assim vos julgo ver: olhos desconfiados, nariz aguçado como a lança que trazeis ao peito, mãos de princesa cravadas de batalhas por outros travadas! Mas julgo, julgo porque temo enxergar com certezas criatura tal que pelo próprio pai foi descartada. Talvez por medo, é certo, talvez o tenha feito precisamente por temer os olhos que, encobertos por choros, se faziam já cortantes. 

Dessem-te vestes de camponesa e assim o serieis! Mas os corrompidos tecidos que vossa avó desviou de um outro reino, mais forte e rico por ventura, não vos libertam das amarras que o sangue do Senhor vos colocou nas veias. Não deste modo, não tirando o ouro ao intocável berço em que haveis nascido.

Ah princesa, como pareceis alta de onde vos vislumbro, tão senhora de si, tão apoiada e sustentada por pilares que as mãos de meu pai construíram antes de o vosso lhe ter colocado a espada e a armadura às costas, que já mal se erguiam. Não que fosse velho, não, apenas porque o trabalho da forja lhe tinha roubado a rigidez para o ferro que o levou a morrer em campos. (E neste momento lembrei como era forte o abraço que me havia dado aquando do tirano chamamento de sua realeza)

Como sois ingénua minha senhora, deixais que vos atirem para uma cama, imunda de tanta vergonha que nela já se acomodou, e que continua a ser palanque de cortejos infundados que apenas vos querem colocar filhos no ventre para que assim não sucumbam ao peso da coroa que tanto anseiam possuir.

Não o façais senhora, não o façais! Jurei por meu pai que haveria de vos salvar destas garras imperiais. Tomai voz, lutai contra os céus e contra os que donos deles se julgam! Em vez de filhos, dai à luz ventos e chamai vossa mãe! Dizei-lhe que traga tempestades e então isolai senhor vosso nas montanhas, tal como ele um dia me isolou nas muralhas deste reino, sem pai a quem me agarrar quando as suas servas me incorriam por pedir por um colo de mãe que não conheci nem pude velar!


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