Ela
dizia-lhe que não! Ora, sejamos explícitos: dizia? Não, acenava de forma subtil
o lencinho que roubara ao senhor doutor por capricho, não fosse este falhar no
pagamento pela ajudinha prestada. Ele insistia, insistia e até dava um paço
maior que a perna a ver se a da gentil dama da sua se acercava. Um piscar de
olho, um franzir de sobrancelha, e o pobre do rapaz que se não apercebia que
estes gestos lhe passavam ao lado, eram simplesmente insignificantes aos
maquilhados olhos da senhora. Decide então ser mais, digamos assim, atrevido:
avança com um breve toque na cocha e inicia assim uma diferente abordagem no
cortejo.
Ela,
habituada a ser o pavão mais admirado na sala, sorri e põe à prova (oxalá para
o rapaz que num
sentido literal fosse) os apetecíveis e carnudos lábios que o já cansado batom
vermelho esconde. Entusiasmado por tal gesto, que para ela não passava de um habitué, lá responde na mesma moeda e liberta escassa risada.
Troca
de sinais, um passo aqui outro acolá, dá-se o cortejo por acabado e está o
homem tramado. Eis que se vê cair em teia tal que não há braço que lhe valha ou
perna que o socorra. Agarra-lhe ela pela mão e leva-o rumo à sala refundida num
recanto que este desconhecia até então. Digo-vos eu: era o quarto da nobre
senhora.
Assim
ostentava tal concepção arquitectónica: um ambiente com pouca luz (só as velas
quase derretidas acesas), cortinados vermelho veludo, cama semidesfeita (usada
fazia horas) com os lençóis de seda turquesa à vista. Estava pronto e mais que
pensado o chamariz que o iria atrair aos aposentos que, vá-se lá saber como ou
porquê, aparentavam já contar com tal visita.
Disfarçando
o à vontade com que se sentia já confortável, lá desaperta o botão cimeiro do
corpete, que "estava a apertar", dizia. Compõe o cabelo, ajeita a
saia que outrora lhe cobria os tornozelos e cruza as pernas na cadeira de napa já
gasta. Ele ainda meio nervoso, desconhecedor deste tipo de situações, apenas
compõe a lapela do casaco que esta teimava em desajeitar com amassos
sucessivos. Juntam-se então no fundo da cama, a pretexto de retirar os sapatos
que causavam incómodo e do casaco que estava a causar calor (ainda ele se
questionava se esse seria realmente o "factor calor" presente).
Despachada, não tardou a fazer do inocente jovem um objecto que atirou à cama e que fez por desinibir. Provocando qualquer tipo de reacção, teria senhora seu trabalho ganho.
O
rapaz, inexperiente, deixou-se ir, guiado pelas mãos e envolvente corpo que à
já muito conheciam os caminhos a percorrer. Estava assim consumado o acto: um
só movimento e o menino passava a ser um homem, um homem que queria agora
dominar a situação já que, afinal de contas (mesmo sem o saber), lhe iria sair
cara a ousadia. Um respirar mais acelerado, alguma estranheza ou talvez repúdio
e uma envolvência cada vez mais acrescida por parte do jovem. Ela habituada e
experiente, ele numa embrulhada mas contente.
Envolto
no cheiro que fora por muitos deixado dos lençóis, acorda o rapaz. Ele
satisfeito, para ela tanto faz!
Prepara
as vestes que a mãezinha lhe dera para festa da noite, calça as botifarras que
lhe oferecera seu avô antes de morrer (teria, possivelmente umas que melhor lhe
servissem na ora da partida) e desperta do grosseiro ressonar a senhora dona.
Acorda ela mal disposta porque não havia ganho a aposta.
Verdade,
eis que El Rei, Dom, Senhor, Excelência e todas as idiossincrasias a este cargo
associadas, tinha contratado a rameira que o havia desflorado, para também
cumprir tal serviço com seu filho amado. Ora, mas porquê a aposta? Então não é
que sua majestade, querendo fazer do filho um macho (assim se entendia na
altura), teria feito a aposta que este se acanharia e não iria fazer valer o
sangue real que nas veias trazia? Já a contratada dama atreveu apostar ainda
mais, que este fugiria a sete pés para as saias de sua mãe, tal como fazia o
Rei.
Apostas
à parte, como ficou então o rapaz? A verdade é que o este se apercebera da
trama, não fossem os pajens fazer uso do conhecimento da vida da Coroa, e ia já
preparado para a ocasião. Enganou o pai e a rameira e ainda deixou a nota na
cabeceira. Fez do pai tolo e enganado, da mulher um trapo usado e ficou ele bem
calado!
Já
dizia a jovem aia, em jeito de lengalenga: "pequeno senhor, um dia que vos
quiserdes fazer rei, não olheis aos caminhos de vosso pai, que onde este
caminha sempre houve outra companhia. Fazei valer a força que tendes e mostrai
como ser homem a sua senhoria!"
Muito bom mesmo !
ResponderEliminarParabéns :D
Fico muito agradecido Mary, mesmo :D
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